terça-feira, 1 de outubro de 2013

Sem frutos



Não podes dizer que não fui ambiciosa, que me esforcei pouco, que podia ter feito mais.
Na verdade é isso que eu sinto, mas este cansaço que sinto.. este cansaço doí-me na alma, e corroí-me.
Não o suporto mais. Este cansaço de não ver frutos nascer da árvore que tu plantaste.
Até na oliveira isso acontece, avô. Sabes como era antigamente, não haviam bichinhos, daqueles que não sabemos de onde veem, a comerem as azeitonas. Elas eram bonitas. E haviam muitas bonitas. Antes saia-me sempre um sorriso ao vê-las na árvore, agora não avô.
E a minha vida está uma árvore sem frutos bonitos avô.. E és só tu a minha raiz que me aguenta em pé.
O que se passa é que sinto o meu suor correr e não tenho quem mo limpe, não tenho uma ventoinha que me desafogue dele, nunca. Ele tem que secar com o tempo, tenho que secá-lo eu, com festinhas. Depois vou buscar força para fazer mais suor e logo outra desilusão. E mais disto, mais.

Na lua tu suas?

Vou?



Como tu, avô, 

Não sei se sonhaste, se alguma vez te apeteceu fazer isso. Eu não…e gostava de te poder perguntar porque sou assim. Sem ambição, sem desejos. Eu não tenho nada disso. 
Eu olho para o mar, e vejo-me a mim. O vazio, sem nada, apenas o rebentar das ondas. Lá ao fundo, nada… Nada, avô… Não, espera, lá  ao fundo há uma barco de pesca…e gaivotas…e uma boia… Fico ou vou? Vou, não é avô?

Sesimbra, 2011

Virá



Por cá ficámos avó. Não sei se à tua espera. À espera de algo de ti. À espera de algo que deixaste pra nós, vindo dos oceanos do outro mundo. Do longínquo mundo por onde andaste. Não estamos à tua espera, não, mas sim à espera do que sempre esperaste tu. A tua esperança ficou pra nós. Descansa onde estás, porque demorará, mas virá. Descansa onde estás, porque nós não esperamos quietos, viajamos como tu, por muitos mesmos ou outros caminhos. E tardará, mas virá, te garanto.

Senão tu



Não há nada que me leve pra longe
Nada que me deixe sem mim
Nada que me tire deste meu eu perdido
Não há nada.

Não há nada que me pinte de duas cores
Nada que me fale sem palavras
Nada que me desenhe o amor
Nada.

Nada nem Ninguém.

Ninguém que me persiga
Ninguém que me agarre
Ninguém que vá ao meu lado
Ninguém que me oiça e me abrace...


Senão tu.

Voámos na passarola do sonho e não voltámos mais. De mãos dadas nós fomos. Eu fui ter com ele e tu vieste comigo, levei-te eu ou levaste-me tu, levámos-nos aos dois.

Somos duas margens

Hoje as duas margens não se vêm uma à outra. Estão mais distantes do que nunca e nem conseguem olhar-se.
Pelo meio continua o seu rio embebido no nevoeiro que o empalidece e esmorece. Pelo meio continuam essas águas que às duas margens pertencem e as duas margens lavam. Essas que levam e trazem de volta um beijo eterno que as duas margens partilham. E agora o beijo não se vê, o abraço não se sente, mas estão lá, encobridos pela espessa camada de ar molhado e frio. Mas descanso: brevemente aquecerá e nos deixará sentir de novo o abraço que tanto nos faz felizes.
Já pensaste, nós somos como duas margens de um mesmo rio, meu amor.